Quando meu pai recebeu o diagnóstico de Alzheimer, há cerca de dois anos, eu achava que poderia fazer tudo sozinha. Eu queria ser a filha perfeita: presente em todos os momentos, administrando medicamentos, organizando consultas médicas, lidando com os esquecimentos e as mudanças de humor. No começo, parecia que dar conta de tudo era uma demonstração de amor.
Mas a verdade é que, com o tempo, o esgotamento começou a dar sinais. Eu me sentia culpada por estar cansada, irritada ou até mesmo por desejar um momento de descanso. Foi nesse processo doloroso que aprendi, na prática, que delegar tarefas não é sinal de fraqueza – é um ato de cuidado, tanto com quem amamos quanto conosco.
Hoje, quero compartilhar com você como foi esse processo para mim e como você também pode delegar tarefas no cuidado de um paciente com Alzheimer de forma leve, organizada e sem culpa.
Entendendo que Eu Não Podia Fazer Tudo Sozinha
O primeiro passo para mim foi reconhecer uma verdade dura: ninguém consegue cuidar de um paciente com Alzheimer sozinho por tempo indefinido sem pagar um preço alto – seja emocional, físico ou financeiro. Eu precisei aceitar que pedir ajuda não era desistir, mas garantir que meu pai tivesse o melhor cuidado possível.
Conversei com a assistente social da clínica onde meu pai fazia acompanhamento, e ela me disse algo que nunca esqueci:
“Cuidar de quem cuida também é cuidar do paciente.”
A partir desse momento, comecei a me abrir para o conceito de rede de apoio.
Como Comecei a Delegar: Meu Primeiro Passo
No início, não sabia nem por onde começar. Eu tinha medo de incomodar meus irmãos, tios, primos. Sentia vergonha de admitir que precisava de ajuda.
Foi então que me sentei com minha família e propus uma conversa sincera: expliquei o que estava acontecendo, compartilhei minhas dificuldades e pedi que dividíssemos as responsabilidades.
Usamos um quadro branco em casa para listar todas as tarefas que envolviam o cuidado do meu pai:
Dar os medicamentos nos horários corretos
Acompanhar consultas médicas
Comprar remédios e suprimentos
Fazer atividades cognitivas
Cuidar da alimentação
Supervisão nas caminhadas e momentos de lazer
Ver tudo escrito nos ajudou a entender a dimensão do trabalho e facilitou a divisão de tarefas.
Aprendi a Confiar nas Pessoas
Delegar também significou, para mim, trabalhar a confiança. No começo, eu ficava nervosa se meu irmão se esquecia de dar o suplemento alimentar no horário certo ou se minha prima levava meu pai para passear em um parque diferente.
Mas logo entendi que ninguém faria exatamente como eu – e tudo bem. Cada pessoa contribuía do seu jeito, e o mais importante era garantir que meu pai estivesse seguro, amado e bem cuidado.
Aprendi a dar instruções claras, mas também a permitir que as pessoas colocassem sua própria energia e carinho no cuidado.
Ferramentas que Facilitam a Delegação
Para tornar tudo mais organizado, comecei a usar algumas ferramentas que fizeram toda a diferença:
Aplicativos de agenda compartilhada, como o Google Calendar, para marcar consultas e turnos de cuidado.
Grupos de WhatsApp específicos para assuntos do cuidado (sem misturar com outros temas da família).
Planilhas simples com lista de tarefas e responsáveis, que atualizávamos semanalmente.
Essas ferramentas tiraram um peso enorme das minhas costas, porque não precisava mais lembrar de tudo sozinha.
Delegar para Profissionais Também Foi Libertador
Outro grande aprendizado foi aceitar ajuda de profissionais.
Contratamos uma cuidadora de meio período para auxiliar nos cuidados diários. No início, eu me sentia desconfortável com a ideia de “ter uma estranha em casa”. Mas, com o tempo, percebi que uma profissional qualificada sabia lidar melhor com algumas situações do que eu, especialmente nas fases mais avançadas da doença.
Ela não só me ensinou técnicas de movimentação segura, como também trouxe mais leveza para nossa casa.
Além disso, busquei apoio psicológico para mim, o que considero um dos melhores investimentos que fiz.
Lidar com a Culpa é um Processo Diário
Mesmo depois de organizar tudo, a culpa ainda batia de vez em quando. Quando eu tirava um final de semana para descansar ou saía para jantar com amigas, sentia aquela voz interna me julgando.
Nesses momentos, eu me lembrava do que meu próprio pai, antes da doença avançar, costumava dizer:
“Filha, você também precisa ser feliz.”
Essa frase virou meu mantra.
Cuidar do meu bem-estar não era abandono – era amor em sua forma mais madura e consciente.
Delegar Tarefas: Passo a Passo para Quem Está Começando
Se você está começando esse processo agora, aqui vai um resumo prático do que funcionou para mim:
Reconheça seus limites – Você é humano(a). Você merece descanso.
Converse abertamente com a família – Exponha suas dificuldades sem culpa.
Liste todas as tarefas – Torne visível a quantidade de responsabilidades envolvidas.
Divida conforme habilidades e disponibilidade – Respeite o que cada um pode oferecer.
Use ferramentas de organização – Aplicativos, agendas, planilhas ajudam muito.
Aceite ajuda profissional, se possível – Cuidadores, terapeutas ocupacionais e psicólogos são aliados valiosos.
Lide com a culpa com gentileza – Lembre-se: você está fazendo o seu melhor.
Onde Buscar Apoio
Durante a minha jornada, encontrei recursos que foram fundamentais para me sentir menos sozinha:
ABRAz – Associação Brasileira de Alzheimer: oferece materiais educativos e grupos de apoio. www.abraz.org.br
Alzheimer.org.br – Site com informações e artigos sobre a doença.
Grupos de apoio presencial ou online – Conversar com quem passa pelas mesmas situações faz toda a diferença.
Reflexão Final
Hoje, olhando para trás, vejo o quanto minha relação com meu pai ficou mais leve e cheia de amor depois que aprendi a delegar tarefas. Em vez de viver sobrecarregada e irritada, pude compartilhar momentos preciosos com ele – mesmo nas fases mais difíceis.
Delegar não foi apenas uma estratégia prática; foi um ato de coragem e carinho, tanto por ele quanto por mim mesma.
Se você está enfrentando esse desafio agora, quero dizer: você não está sozinho. Peça ajuda, aceite ajuda. Cuidar é um ato coletivo. E você merece estar bem nessa jornada.
Quer se aprofundar ainda mais?
Se você gostou dessas dicas sobre como delegar tarefas, recomendo também a leitura do artigo “Como Propor Revezamento no Cuidado com o Paciente sem Causar Conflitos”. Nele, compartilho estratégias práticas para envolver a família de forma harmoniosa e evitar desentendimentos na hora de dividir responsabilidades. Vale muito a pena conferir!